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Valdênia, um metro e meio de atrevimento                                  

 
Valdênia Paulino Lanfranchi, a primeira ouvidora de polícia na Paraíba, é uma pessoa sem papas na língua e sem rugas no pensamento. Ela chega esclarecendo: "A maior parte dos policiais militares e civis é séria. É gente que trabalha duro. Porém, alguns extrapolam o poder da função e se tornam criminosos. A Ouvidoria existe para que a população possa denunciar abusos e se proteger dos maus policiais". 

Valdênia está no cargo faz um ano e meio. Ela foi indicada pelo Conselho Estadual de Direitos Humanos da Paraíba. A Ouvidoria de Polícia é vinculada à Secretaria de Segurança. "Eu e minha equipe estamos fazendo um bom trabalho. Antes, 80% das denúncias vinham por telefone. Hoje, 45% delas são presenciais. As pessoas vêm até nós. Isso significa que a população está confiante no trabalho da Ouvidoria", ela comemora.

As principais denúncias contra policiais são de assassinato, tortura, corrupção, envolvimento com traficantes, formação de milícias. "Mas também companheiras e esposas de policiais nos procuram para relatar situações de violência doméstica. Ou seja, é um caldo em que o ingrediente principal é o machismo. O sujeito se acha o máximo porque tem um pênis e uma arma", Valdênia desabafa. Como é comum acontecer, muitas mulheres vítimas de violência recuam quando se fala em processar judicialmente o agressor. "Damos apoio para as que querem levar a denúncia adiante. A gente encaminha a mulher para um Centro de Referência e acompanha os passos do processo. Sempre digo, um homem agressor já é perigoso, um agressor armado é muito mais", ela pontua.

Valdênia mora em João Pessoa desde 2009. Veio com o marido Renato Lanfranchi, um ex-padre de origem italiana. Ela conta: "Renato também é um batalhador pelos direitos humanos. Daí a gente se entende às mil maravilhas e sempre roubamos um tempinho para namorar. Isso dá salubridade ao nosso cotidiano muito carregado. Todo mundo que trabalha com a promoção e a defesa dos direitos humanos sofre de estresse intenso. Sabe por quê? Porque o Brasil ainda é um grande violador de direitos." A ouvidora fala com propriedade, pois está metida na defesa dos mais pobres e vulneráveis desde sua adolescência. "Eu nasci em 1967. Com quinze anos já fazia trabalhos nas favelas de Sapopemba. Também já acompanhei a dor de inúmeras mães. Vi muito menino ser morto pela Rota, ou por traficantes. Também testemunhei a comunidade ter muitas vitórias, mas sempre a partir da luta. Nenhuma conquista vem de graça", explica.

Formada em Direito, com mestrado na PUC de São Paulo, Valdênia leciona em duas faculdades de João Pessoa. Ela acredita ser fundamental formar jovens advogados com valores democráticos e éticos. "Ainda são poucos os advogados dispostos a ir para linha de frente. Isto é, trabalhar ao lado e em conjunto com as pessoas mais desfavorecidas. Aquelas que carecem de dinheiro, educação, trabalho, lazer. Não obstante os avanços contra a pobreza no Brasil, ainda há cidadãs e cidadãos desrespeitados", diz a professora. Ousada, ela ajudou a organizar o grupo de Mães da Paraíba. São mulheres que tiveram seus filhos assassinados sem que ninguém fosse responsabilizado. "A dor dessas mães nunca acaba. Mas poderia ser minimizada se os assassinos de seus filhos pagassem pelo o que fizeram. Quando a justiça é feita, o coração serena", ela reflete.